terça-feira, 14 de outubro de 2008

Execuções fiscais do FGTS - Súmulas n.ºs 349 e 353 do STJ

Já tive a oportunidade para dizer que acredito que algumas súmulas dos tribunais superiores dizem o óbvio. Da mesma forma, entendo que algumas súmulas se aplicam para um número de casos bastante restrito, ou, dito de outra forma, a aplicação de determinadas súmulas não faz parte do dia-a-dia de parte significativa dos operadores do direito. No Informativo n.º 359 do STJ constou notícia dando conta da publicação de duas súmulas a respeito das execuções fiscais do FGTS. E entendo que essas súmulas, as de n.º 349 e de n.º 353, fazem parte desse grupo de súmulas que podem passar despercebidas pela maioria dos juristas. Mas se tratam de súmulas importantes para quem lida com as execuções fiscais do FGTS.

O STF já definiu, ainda no regime anterior à CF/88 (RE 100249/SP, Relator p/ Acórdão: Min. NÉRI DA SILVEIRA, DJ 01-07-1988) que o FGTS não tem natureza tributária. Trata-se de um fundo constituído na forma da Lei n.º 8.036/90 pelos saldos das contas vinculadas dos trabalhadores e de outros recursos a ele incorporados (art. 2.º), cuja gestão de aplicação será efetuada pelo Ministério da Ação Social, cabendo à CEF o papel de agente operador (art. 4.º). A aplicação dos recursos do FGTS se dá na forma do caput e parágrafos do art. 9.º. No art. 15 consta a obrigação de todos os empregadores a depositar, até o dia 7 de cada mês, em conta bancária vinculada, o valor de 8% da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador. No art. 18 consta a forma de cumprimento da obrigação de depositar o FGTS por parte do empregador em caso de rescisão do contrato de trabalho. Por fim, no art. 23 consta que ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social a competência para verificar, em nome da CEF, o cumprimento da lei “especialmente quanto à apuração dos débitos e das infrações praticadas pelos empregadores ou tomadores de serviço”. É significativo o que consta (a) do inciso I do § 1.º desse art. 23, isto é, que constitui infração para efeito da Lei n.º 8.036/90 (infração à lei, pois) “não depositar mensalmente o percentual referente ao FGTS, bem como os valores previstos no art. 18 desta Lei, nos prazos de que trata o § 6.º do art. 477” da CLT, e (b) do § 6.º do art. 23, segundo o qual é trintenária a prescrição dos valores referentes ao FGTS.

A Lei n.º 8.844/94, que dispõe sobre, entre outras coisas, a cobrança judicial das contribuições e multas devidas ao FGTS, estatui que (a) ao Ministério do Trabalho compete a fiscalização e apuração das contribuições devidas ao FGTS, bem como aplicação de multas e encargos, e (b) compete à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a inscrição em Dívida Ativa dos débitos para com o FGTS bem como, diretamente ou por intermédio da CEF, mediante convênio, a representação judicial e extrajudicial do FGTS para a correspondente cobrança (arts. 1.º e 2.º). Nessa lei consta, ainda, a isenção de custas do FGTS nos processos judiciais de cobrança de seus créditos (§ 1.º do art. 2.º), e a atribuição aos créditos do FGTS dos mesmos privilégios dos créditos trabalhistas (§ 3.º do art. 2.º).

Em conformidade com o que facultou o art. 2.º da Lei n.º 8.844/94, a PGFN e a CEF firmaram convênio, e assim, em apertada síntese, aos advogados da CEF compete a condução das execuções fiscais referentes aos créditos do FGTS ajuizadas a partir de 1994.

É intuitivo que se imprimiu um regime peculiar à cobrança dos créditos do FGTS, afinal (a) segue-se o rito das ações de execução fiscal, (b) o crédito não é tributário, e (c) a condução dos processos é feita por advogados da CEF (que se submetem ao regime da CLT, pois a empregadora é uma empresa pública), e isso repercute em questões como, v.g., saber se se aplicam os privilégios processuais da Fazenda Pública (como intimação pessoal, prazo em dobro para contestar, recorrer ou falar nos autos, execução contra a Fazenda Pública, aplicação dos dispositivos a respeito do Código Tributário Nacional).

Para tentar dirimir algumas dessas controvérsias, é que o STJ fez publicar as súmulas já referidas. A de n.º 349 dispõe que “Compete à Justiça Federal ou aos juízes com competência delegada o julgamento das execuções fiscais de contribuições devidas pelo empregador ao FGTS”. A de n.º 353 estabelece que “As disposições do Código Tributário Nacional não se aplicam às contribuições para o FGTS”.

A controvérsia jurídica que deu ensejo à Súmula n.º 349 teve origem a partir da promulgação da EC n.º 45/2004 que, dentre outras importantes novidades, ampliou a competência da Justiça do Trabalho. Assim, alguns juízes federais entenderam que, como o FGTS é decorrente da relação de trabalho (o empregador deposita o percentual previsto na Lei n.º 8.036/90 na conta vinculada do empregado), e aos juízes do trabalho compete processar e julgar as causas oriundas das relações de trabalho (CF/88, art. 114, I), a execução fiscal dos valores do FGTS deveria ser processada e julgada perante a Justiça do Trabalho. Conforme constou de um dos julgados que deram origem à súmula (CC 53878 SP, DJ 13/02/2006), não há que se confundir a execução fiscal das dívidas do FGTS com a relação de trabalho subjacente, pois não envolve diretamente empregador e empregado; a relação que se estabelece é decorrente da lei (a Lei n.º 8.036/90) e não da vontade das partes, sendo certo que, em sede de ação de execução fiscal, se cuida de uma relação de direito público entre a União (ou a CEF) e os empregadores inadimplentes com o FGTS, e não de direito privado decorrente do contrato de trabalho.

Quanto à Súmula n.º 353 (“As disposições do Código Tributário Nacional não se aplicam às contribuições para o FGTS”), a questão não me parece tão simples. Conforme essa súmula, uma vez que as contribuições para o FGTS não são de natureza tributária, não se aplicariam as disposições do Código Tributário Nacional. Realmente, esse entendimento era prevalecente na jurisprudência do STJ e do TRF-4 (não por acaso virou súmula). Mas não estou certo quanto ao acerto dessa orientação. Afinal, em se tratando de ação de execução fiscal, que se presta (arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 6.830/80) para a cobrança de dívida ativa tributária ou não-tributária (definidas pela Lei n.º 4.320/64) da Fazenda Pública (dos quatro entes federados e suas autarquias), a Lei n.º 6.830/80 dispõe que à “Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial” (art. 4.º, § 2.º). Parece-me que o dispositivo tem redação muito clara: são aplicáveis as normas relativas à responsabilidade previstas na legislação tributária (p. ex., o CTN) quando se tratar de execução fiscal das dívidas ativas da Fazenda Pública de qualquer natureza, isto é, as tributárias e as não-tributárias. Se é certo que o FGTS não tem natureza tributária, então os valores de FGTS são inscritos como dívida ativa não-tributária, e as ações de execução fiscal são ajuizadas dessa forma. Então, por se submeterem ao rito das ações de execução fiscal, é que deveriam ser aplicáveis as normas de atribuição de responsabilidade previstas na legislação tributária, ou, mais especificamente, no CTN.

Em que pese esse raciocínio, a jurisprudência sempre foi no sentido de ignorar essa disposição da lei de execuções fiscais, enfatizando apenas que o FGTS não tem natureza tributária, e por essa razão seria inaplicável o CTN. A questão tem uma importância fundamental de ordem prática: em número significativo de ações de execução fiscal do FGTS, a empresa devedora ou (a) não é localizada, por diferentes razões, a mais comum delas, a sua dissolução irregular (i. é, sem baixa dos atos constitutivos na Junta Comercial), (b) não tem patrimônio penhorável. Isso daria ensejo à aplicação do art. 135 do CTN, que impõe a responsabilidade pessoal pelas dívidas fiscais do sujeito passivo da obrigação tributária aos (entre outros) diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, pelos atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Bem, se a simples inadimplência de tributo, conforme a jurisprudência majoritária, não configura, por si só, infração de lei, o art. 23, I da Lei n.º 8.036/90 estabelece que é infração à Lei n.º 8.036/90 o não pagamento dos valores do FGTS, consoante já se viu. Entretanto, os tribunais optaram por sonegar a aplicação do CTN em sede de ação de execução fiscal, e assim o exeqüente (FGTS representado pela CEF ou pela PGFN) tem que pleitear o redirecionamento da execução fiscal em face dos sócios-gerentes com base na legislação civil (Decreto n.º 3.708/10 ou Código Civil).

Cliquei nos precedentes que deram origem à Súmula (conforme consta do site do STJ) para ver como o STJ superou essa questão e como interpretou essa interação entre Lei n.º 6.030/80, Lei n.º 8.036/90 e o CTN. Para minha surpresa, dos 4 precedentes indicados no site do STJ (RESP 396275/PR, DJ 28/10/2002, RESP 438116/DF, DJ 12/06/2006, RESP 898274/SP, DJ 01/10/2007, RESP 981934/SP, DJ 21/11/2007) não houve qualquer referência aos dispositivos da Lei n.º 6.830/80 e da Lei n.º 8.036/90. No RESP 610595/RS, DJ 29/08/2005, não houve prequestiomanento, e assim a matéria não foi conhecida. E, por fim, no RESP 837411/MG, DJ 19/10/2006 a questão sequer foi enfrentada (apesar de prequestionada e referida no relatório).

Parece-me que isso é muito pouco para sedimentar um entendimento numa súmula. Sobretudo quando em data recente (13.06.2008) tomei ciência de uma notícia de um julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região que reconheceu a responsabilidade de sócio de empresa falida, identificado na CDA como co-responsável na ação de execução fiscal, em relação à multa administrativa por infração de dispositivo da CLT, de natureza não-tributária. O TRT-3 expressou, na oportunidade, o entendimento de que em se tratando de multa inscrita em dívida ativa da União e cobrada via execução fiscal sob condução da Fazenda Nacional, são aplicáveis as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, consoante preconiza o art. 4.º, inciso V e § 2.º da Lei n.º 6.830/80. In verbis: "De acordo com a regra do art. 2o, caput, da Lei 6.830/80, a dívida ativa da União é aquela definida como tributária ou não tributária, na forma da Lei 4.320/64, sendo assim considerado qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei à União e suas respectivas autarquias (art. 2o, § 1o e art. 1o da Lei 6.830/80). Este é, precisamente, o caso das multas administrativas, que, embora tenham natureza não tributária, têm a cobrança atribuída à Fazenda Nacional" (TRT-3, AP n.º 00694-2007-057-03-00-4).

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom! Esclarecedor e didático. Parabéns.