terça-feira, 27 de janeiro de 2009

STJ e os cadastros de inadimplentes (indenização, notificação prévia)

Uma das questões mais enfadonhas que conheço é aquela que diz respeito à indenização do devedor pela ausência de notificação prévia da inscrição do seu nome nos cadastros de inadimplentes. Finalmente, o STJ pacificou a sua orientação, conforme noticiado no Informativo n.º 380 (REsp 1.062.336-RS e REsp 1.061.134-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgados em 10/12/2008) e agora o entendimento que se impõe (na forma do art. 543-C do CPC e da Súmula n.º 359-STJ) é o seguinte: (a) o órgão mantenedor dos cadastros de inadimplentes tem o dever de notificar previamente o devedor, na forma do art. 43, § 2.º do CDC; (b) caso não haja a notificação prévia, o devedor tem direito à indenização e ao cancelamento da inscrição; (c) se o devedor estiver inscrito por mais de um débito, então a indenização não é devida, fazendo-se apenas o cancelamento da inscrição na qual não houve a notificação prévia.

O mais interessante, no entanto, foi o que os Ministros disseram a respeito de “devedor” e “inadimplemento”, bem como sobre “objetivo da legislação”. Segundo o Informativo, o Min. João Otávio de Noronha expressou que “a situação jurídica do devedor é de inadimplemento, assim o mero descumprimento de formalidades, no caso, não aprofunda sua dor quando já existentes várias anotações nesses cadastros”. É intuitivo que se o devedor, independentemente das causas da impontualidade (absoluta impotência financeira, negligência, imprudência ou contingências alheias a sua vontade) consta dos cadastros de inadimplentes por mais de um débito, não é a ausência de notificação da inscrição relativamente a um desses débitos que lhe causará dano moral passível de indenização. O Min. ponderou, ainda, com base em noções não desconhecidas, que a inadimplência abala o crédito, e que o sistema de proteção ao crédito existe para manter a higidez do sistema; assim, elevar riscos, consequentemente, eleva preços não só das mercadorias, como do próprio dinheiro, por meio dos juros. Já o Min. Aldir Passarinho Junior enfatizou o objetivo do CDC ao exigir a notificação prévia: permitir que o devedor promovesse o pagamento do débito em atraso, e é por isso que a jurisprudência arbitrou indenizações quando ausente a notificação prévia; ocorre que os julgadores se deram conta de que não raro o devedor reconhecia a dívida nos autos, tinha várias anotações como inadimplente, mas pleiteava indenização por não ter sido notificado a respeito de uma delas, e isso motivou a evolução da jurisprudência no sentido de que o ilícito seria somente o da inscrição irregular que deveria ser cancelada, não havendo que se falar mais em indenização nessa hipótese. Pode-se dizer, então, que o Código de Defesa do Consumidor é estatuto que prevê as garantias do consumidor no âmbito da relação de consumo, mas não é (ou não deve ser) sede jurídica para perpetuação de dívidas.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

STJ e a discussão sobre bens supérfluos e bens essenciais

Essa semana o site do STJ divulgou notícia a respeito do entendimento da Corte a respeito do que seriam bens supérfluos e bens essenciais para fins de penhora de bens do devedor. A notícia esclarece que essas noções somente são aferíveis no caso concreto, levando-se em conta o contexto social e familiar do devedor. Assim, dependendo de certas circunstâncias, um piano ou um ar-condicionado seriam ou não penhoráveis, i. é, não é possível dizer que um piano ou um ar-condicionado são bens supérfluos em quaisquer casos, pois o primeiro pode ser o instrumento de trabalho de um concertista ou professor (impenhorável por força do art. 649, V do CPC). Esse recurso à análise do “caso concreto” é o mais comum quando se está diante de conceitos jurídicos indeterminados como, p. ex., o que consta do art. 649, II do CPC, com redação dada pela Lei n.º 11.382/2006, segundo o qual são absolutamente impenhoráveis os bens móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida (nessa hipótese, o intérprete, então, no caso concreto, deverá precisar o que significa “elevado valor”, “necessidades comuns” e “médio padrão de vida”).

Do que constou da notícia, achei interessante o raciocínio atribuído a um julgado da 2.ª Turma do STJ: “ar-condicionado não representa uma demonstração exterior de riqueza, mas não seria justo a família continuar usufruindo desse conforto e utilidade se tinha dívidas a quitar”.

Seja como for, a mim parece, no entanto, que essas discussões são impertinentes, afinal de que adianta penhorar um ar-condicionado, um microondas ou um videocassete se se pode antever que não haverá interessados por ocasião dos leilões (quem é que vai se interessar em adquirir um microondas usado num leilão?). Ressalvados os casos nos quais o credor julga oportuno adjudicar um bem desse tipo (que costumo chamar de “tranqueira”), em regra os leilões se destinam a resultados infrutíferos (é evidente que sempre haverá alguém para dizer que num determinado caso um conjunto de prateleiras foi arrematado e serviu para amortizar o crédito, mas esses casos isolados se prestam realmente para demonstrar o quão bem sucedido seria o sistema de alienação judicial ou por venda particular?). A situação pode ser diferente quando se trata de algum maquinário, pois aí as empresas do mesmo ramo podem ter interesse em adquirir uma máquina industrial por preço bem em conta (basta que não seja preço vil, na segunda data de leilão). Além dissso, leilão de veículos e hasta de imóveis pode, eventualmente, atrair interessados.

Ocorre, no entanto, que todos esses bens estão atrás, na ordem de preferência para penhora, de dinheiro em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira (art. 655 do CPC, com redação dada pela Lei n.º 11.382/2006). Parece incrível, mas é frequente, quando há utilização do Sistema Bacenjud para viabilizar a penhora online, que essa pesquise resulte negativa, i. é, o devedor não tem dinheiro em depósito ou aplicação em instituição financeira. Parece-me que, se se quiser levar a sério o processo de execução, a ordem deveria ser reiterada até que houvesse bloqueio de algum valor, e aí o devedor teria a oportunidade de comprovar nos autos da execução, por simples petição (e não em embargos ou exceção de pré-executividade), na forma do art. 655-A, § 2.º do CPC. Não sendo o caso de impenhorabilidade, a penhora de dinheiro atenderia, a um só tempo, (a) a satisfação do crédito exequendo; (b) a efetividadade da execução; (c) a celeridade na prestação jurisdicional; (d) a economia de atos processuais.

Esgotadas as pesquisas ao Sistema Bacenjud, sem retorno positivo, aí sim é que caberia lançar mão da penhora sobre bens móveis e imóveis, cujo trâmite desde a penhora até o pagamento do credor é sabidamente demorado e custoso.

Ainda acredito que andaríamos melhor em termos de segurança jurídica e confiança nas instituições se fossem utilizados com desinibição os mecanismos que já se encontram à disposição para dar satisfação aos créditos, pois estes são cobrados em juízo porque decorrem (a) de sentença, ou (b) de documentos aos quais o legislador atribuiu a qualidade de titulos executivos, e isso confere ao credor, ao mesmo tempo, uma vantagem e um risco: vantagem em relação ao devedor, pois este fica com seu patrimônio suscetível de expropriação, e risco de eventual excesso nos valores exequendos ou de algum vício (de qualquer tipo) no título. Então, penhore-se, de preferência dinheiro; caso a dívida seja inexigível por qualquer motivo, demonstrada pelo devedor (não deve, já pagou, tem créditos para compensar, prescreveu, o valor é excessivo, etc.), o credor suporta o risco: libera-se a penhora, e o devedor pode ingressar com ação judicial caso tenha sofrido algum prejuízo. De outra parte, se não houver qualquer óbice, o crédito resta satisfeito e o processo de execução cumpriu sua finalidade.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

STJ - redirecionamento - prescrição - princípio da actio nata

O redirecionamento da execução fiscal é um tema inquietante nos tribunais; no Informativo n.º 377 do STJ constou mais uma notícia sobre o assunto, dessa vez a respeito da prescrição. Ajuizada a execução fiscal contra a empresa, poderia a ação ser redirecionada em face dos sócios-gerentes muitos anos (digamos, cinco anos) depois da citação da empresa ou do próprio ajuizamento? No caso em apreço (AgRg no REsp 1.062.571-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 20/11/2008) a prescrição intercorrente somente teria inciada sua contagem a partir do momento em que os pressupostos para o redirecionamento (fraude à lei, dissolução irregular, etc), tendo em vista a aplicação do famigerado princípio da actio nata.